“Brandindo uma pistola junto ao rosto de Nicholas, anunciou as regras
básicas do estabelecimento: não ler, não escrever, não falar.
‘E pensar?’, ocorreu ao professor perguntar (…) Nicholas compreendeu nesse
momento que não só era possível pensar, como era necessário.”[1]
O
texto de Santiago Veloso é um grito que surge do coração galaico-português para
a Humanidade afirmando a identidade deste povo do noroeste da Península
Ibérica. A sua prosa revela aqui a clara intenção de afirmar um povo que foi
artificialmente (pela política) dividido durante a Idade Média mas que, ainda
assim, resistiu à tentativa de extermínio cultural por parte dos governos
nacionais de ambos os países ibéricos.
Na
nossa perspectiva, o autor dedica a quase totalidade do seu escrito a
argumentar, de forma exemplar e categórica, a existência de uma identidade
única e original das gentes da terra que lembramos como Gallaecia. Uma nação
que se construiu historicamente de forma quiçá improvável pois, por um lado,
resulta de uma miscigenação de povos (celtas, romanos, suevos) e, por outro,
constitui uma memória viva, resistente e combativa, dos seus valores, tradições
e cultura.
Recorrendo
à realidade – pois não pode ser escamoteada – concretiza com mestria a teoria da
identidade cultural aplicando-a com competência à comunidade
galaico-portuguesa, obrigando o leitor a reflectir sobre o conceito de
identidade.
Falar
de identidade obriga-nos, inicialmente, a fazer referência à noção de
território que, no campo das ciências naturais, nos reporta ao estabelecimento
de uma relação entre o domínio de espécies animais ou vegetais com uma
determinada área física.
Posteriormente,
foi incorporado pela geografia, que relaciona espaço, recursos naturais,
sociedade e poder.
Em
seguida, diversas disciplinas passaram a associar-se ao debate, entre elas a
Sociologia, a Antropologia, a Economia e a Ciência Política.
O
território surge, portanto, como resultado de uma acção social que, de forma
concreta e abstracta, se apropria de um espaço (tanto física como
simbolicamente) e, por isso, denominado processo de construção social enquanto
que o espaço está relacionado com o património natural existente numa região.
Nas
ciências sociais, as discussões sobre a identidade assumem duas formas mais
importantes, a psicodinâmica e a sociológica.
A
psicodinâmica, no discurso freudiano é a identificação, através da qual a
criança assimila pessoas ou objectos externos. Pelo que, esta perspectiva,
enfatiza o cerne de uma estrutura psíquica como tendo identidade contínua e,
essa continuidade, significa a capacidade de permanecer na mesma a meio de uma
mudança constante.
Assim, a identidade é um processo localizado
no âmago do indivíduo e, contudo, também na essência da sua cultura
comunitária, um processo que estabelece, na verdade, a identidade dessas duas
vertentes.
Numa
perspectiva mais sociológica, a abordagem interaccionista simbólica ajusta-se à
problemática da identidade debruçando-se sobre questões como “qual o meu?”,
“quem sou eu?”. Representando o eu
uma característica humana que permite às pessoas ponderar de forma reflexiva
sobre a sua natureza e o mundo social através da comunicação e da linguagem.
Ora,
nós somos tradição e memória e, é por isso, que Santiago Troncoso dedica grande
parte do seu artigo à afirmação da identidade reflectida nos costumes, usos,
tradições e território galaico-português.
Ao
referir-se ao património imaterial galego-português, o autor, não se distrai do
território de características específicas que conduziu este povo por um caminho
único e original. Um povo, dois Estados, uma Nação… uma história comum de
partilha da vida quotidiana plasmada nos cinco âmbitos que enuncia: a) o
património associado às actividades agro-marítimas e fluviais; b) um património
associado às actividades agrárias; c) um património associado aos processos e
saberes artesanais; d) um património associado ao universo festivo, lúdico e de
lazer; e) um património associado a uma literatura de tradição oral.
Santiago
Troncoso, apela então à UNESCO para que este património seja, ao fim de tantos
séculos, reconhecido pela Humanidade. Ao que parece esta tentativa saiu gorada
mas deve constituir um estímulo para continuar a lutar.
Da
nossa parte, achamos que o projecto “Ponte… nas ondas!” deve continuar e
alargar-se mais ao território do norte de Portugal onde ainda é ainda pouco
conhecido.
A
terminar deixo o testemunho da minha terra, Vila Praia de Âncora, fundada por
uma comunidade lusa e uma comunidade galega (A Garda) que vinha para cá pescar
e, quando o mau tempo impedia o seu regresso, ficavam temporadas por cá.
Trabalhavam a terra, o sargaço e uniram o litoral com o interior agrário onde
estavam os outros habitantes autóctones. A nossa ascendência é também galega ao
mesmo tempo que portuguesa pois partilhamos familiares de ambos os lados da
fronteira que nos foi imposta. Dos gardeses ficou-nos o legado da gamela/masseira
(barco de pesca típico desta região), do refraneiro galego marítimo, da
caldeirada (“à galega” como chamam os nossos pescadores), a sardinha assada na
brasa (um dos ex-libris dos
ancorenses) e as histórias do demo e das meigas que sempre encantaram e fascinaram
os povos deste fim da terra.
A
história galaico-portuguesa ultrapassa os Estados e o tempo pelo que é nossa
obrigação, enquanto docentes, não ocultar aos nossos alunos que, desde a aurora
dos tempos, com a Galiza, partilhamos uma vida e um destino comum que urge
continuar concretizar no nosso quotidiano.
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