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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

João Verde, o poeta da raia

Vendo-os assim tão pertinho,
a Galiza mail’ o Minho,
são como dois namorados
que o rio traz separados
quasi desde o nascimento.

Deixal-os, pois, namorar
já que os paes para casar
lhes não dão consentimento

(João Verde)
 
 
José Rodrigues Vale, que usaria literariamente o pseudónimo de João Verde nasceu, em Monção em 2 de Novembro de 1866.
 
Aí, depois de fazer a instrução primária, frequentou aulas de Latim e Francês, fazendo depois os respectivos exames no Liceu de Braga, o que certamente lhe permitiu desde muito jovem dar os primeiros passos no campo das Letras, escrevendo para os jornais locais, revelando um estro invulgar.
 
Foi praticante de farmácia em Monção, no Porto e depois em Viana do Castelo, onde se tornou redactor de “A Aurora do Lima”, hoje um dos decanos da imprensa periódica portuguesa.
 
No Porto publicou o seu primeiro livro de versos “Musa minhota” (1887), reíncidindo em Viana com “N’aldeia” (1890).
 
Em 1891 regressou à terra natal, para desempenhar o cargo de secretário da Câmara Municipal, aqui vivendo até ao seu passamento.
 
Os jornais monçanenses dos finais do séc. XIX, início do séc. XX (“Deuladeu”, “Monsanense”, “Independente”, “Alto Minho”, “Povo de Monção” e “A Terra Minhota”) recolhem assídua e variada colaboração de João Verde, tanto em verso como em prosa. Em 1901 fundou “O Regional”, que se publicou até 1918, um dos mais interessantes órgãos da imprensa local, verdadeiro repositório da vida e história da vila raiana nos seus mais diversos aspectos (sendo de destacar os históricos) e que contou com a colaboração de nomes reputados da intelectualidade minhota do tempo.
 
O jornal era feito em grande parte por João Verde, que escrevia sob os mais variados pseudónimos versos e pequenos contos, crónicas do quotidiano, apontamentos políticos e sociais e notas etnográficas.
 
Em 1902 publicou o seu terceiro e mais aclamado livro, “Ares da Raia”, impresso na tipografia de Eugénio Krapf, de Vigo, que tem como pórtico os versos com que iniciamos este texto e são reproduzidos em caixa.
 
Como diz o seu biógrafo Gentil de Valadares, a Galiza constituía para João Verde desde a infância um refúgio muito do seu agrado, sempre novo e apetecido.
 
Como sucede com todos os raianos, o rio Minho desde tempos imemoriais une mais do que separa, e a língua de matriz comum ajuda a estreitar os contactos.
 
Na companhia de Guerra Junqueiro, poeta de nome feito que vivia então em Viana, J. Verde contactou com grandes nomes da literatura galega, que vinha seguindo apaixonadamente, desde Francisco Añon, Rosália de Castro, Curros Enriques, o meu grande preferido…
 
No artigo de “O Regional” (9.3.1902) que venho citando escreveu ainda João Verde: A Galiza… Foi ela, está-me parecendo, a minha madrinha literária, pois me embalaram desde Añon até Curros, com intermitências de Pozada, Ferrero e tantos outros, não falando nessa suprema alma lírica galega de Rosália de Castro, que foi e será eternamente a sublime cantora das campinas galegas.
 
Em “Ares da Raia” é evidente essa estreita ligação, essa paixão intensa pela língua e cultura galegas, expressa nas epígrafes e dedicatórias, na temática de muitos versos e até em dois poemas escritos em galego.
 
Finalmente em 1932, no “Anuário do Distrito de Viana do Castelo” escreve uma arrebatada “Carta à xente galícia”, que merecia ser mais conhecida, na qual, depois de dizer enquanto o mundo for mundo, o que é que nos separará? se proclama um defensor da identidade de língua galega: eu veño apretarvos unecamente a man de bôs compañeiros… E veño faquel’o nas pobriñas verbas do meu pobriño saber do lenguaxe da nosa nai comum que é isa adorabre Galiza, lenguaxe q’aprendin malamente dend’os precursores hast’os arautos do rexurdimento, ises cavaleiros que irguen o estandarte grorioso da Patrea, ises pregoneiros que nas catro províncias formam a ála dos namorados da Fala.
 
João Verde faleceu há 70 anos, mas o seu nome não é esquecido em Monção que lhe ergueu num revelim da muralha que faceia o Minho, um busto em bronze e na Alameda dos Neris um padrão onde em azulejos pintados é perpetuada a oitava que todos conhecem e que venho referindo. O futuro centro cultural terá também o nome de João Verde.
 
A Câmara Municipal reeditou duas vezes os “Ares da Raia” e em 2001 reuniu num só volume a sua “Obra poética” que inclui os 3 livros que J. Verde publicou, com edição literária do Departamento de Humanidades da Escola Secundária de Monção.
 
Mas muitos dos seus versos estão perdidos nas páginas dos inúmeros jornais e revistas minhotas, em que colaborou, merecendo ser recolhidos e publicados, bem como abundantes textos em prosa, que ele pretendia reunir no “Jornal dum minhoto” (projecto que não chegou a concretizar), justificavam a sua organização em livro que certamente muito honraria Monção, o Minho e a Galiza e constituiria uma inesperada revelação para os defensores da identidade galaico-minhota. (texto de Henrique B. Nunes)

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