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quarta-feira, 22 de julho de 2009

“Reinventemos (…) a democracia antes que seja demasiado tarde.”

A democracia foi uma conquista que, do ponto de vista das sociedades humanas, enleva mais de 25 séculos de construção. De mera aspiração pessoal - calada sob a força bárbara, dos despotismos e do estado selvagem das primeiras comunidades humanas - à especulação filosófica foi quase uma eternidade. Mas a coragem de pensamento e reflexão dos grandes filósofos gregos semeou, pouco a pouco, o pensamento democrático da Humanidade.
Desde essa altura, o Homem, não mais deixou de inquietar-se perante a ideia de uma sociedade capaz de respeitar a diferença. A democracia, afinal, parece ter chegado a Portugal somente há quase quatro décadas. O que é isto numa História tão longa, feita de avanços e retrocessos, sociais e culturais? Talvez por isso, ainda hoje o nosso país lide mal com a diferença e tenha dificuldades em exorcizar a sua consciência obscurantista e medieval: com os deficientes, os homossexuais, os imigrantes, os dos outros partidos políticos, ou seja… os diferentes.
A autarquia caminhense conduziu-nos, nos últimos oito anos, ao passado sombrio do mais puro maquiavelismo e jogos antidemocráticos: nas reuniões de câmara (que sempre foram livres) passou-se à limitação dos tempos de intervenção e à concentração dos poderes na Sra. Presidente da Câmara; nas Assembleias Municipais, desligam-se microfones a deputados democraticamente eleitos e permite-se que, cidadãos de fora do concelho, usem da palavra para maldizer membros da oposição e vangloriar os detentores do poder bajulando-os com presentes; a utilização dos meios de comunicação social de forma político-partidária e não informativa; a exaltação de períodos negros da nossa História; o ataque brutal àqueles que ousam dizer não! Dizer “não”, correspondia a trautear Zeca Afonso e era uma evidência de espírito democrático que aceitava o diálogo e condenava a perseguição e a repressão. Temos a certeza que, muitos dos nossos leitores, recordarão esses tempos como de luta pela liberdade. Outros haverá que acreditam na própria democracia como instrumento de regresso a um regime totalitário.
Talvez José Saramago, tenha razão quando escreve que “o que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver.”
Os inéditos e fatídicos acontecimentos da reunião de câmara de 22 de Dezembro de 2008 tiveram agora condenação por parte do Tribunal Administrativo de Braga. O ataque à democracia em Caminha está a atingir o limite. Recordemos os factos: Júlia Paula quer endividar mais o município em 4,4 milhões de euros; Júlia Paula teme que o ex-membro da sua equipa e vereador, Bento Chão (Independente, ex-PSD), vote contra as suas pretensões; como não fala com as oposições, a presidente, teme também que (e muito bem) os socialistas chumbem mais este endividamento para satisfazer obviamente necessidades eleitorais; provavelmente consciente da gravidade que representa a apresentação de um “incidente de impedimento” não fundamentado, não está presente na reunião e faz-se substituir por Celeste Taxa (PSD); preside a essa reunião, o vereador Flamiano Martins (PSD) em que, o vereador Paulo Pereira (PSD), entrega os respectivos pedidos de “incidente de impedimento” para evitar que Bento Chão participe nas votações (Orçamento de 2009 e empréstimo); por “coincidência”, Flamiano Martins já tinha a resposta escrita e deferiu imediatamente o pedido; “casualmente”, João Maria Pereira (PSD), assistia a estes factos e, na qualidade de suplente nas listas do PSD à autarquia foi chamado para votar estes documentos tendo, por isso, o vereador Bento Chão obrigado a abandonar a reunião; a oposição socialista, em protesto e em defesa das boas práticas democráticas abandonou a reunião.
Como sempre, não faltaram acusações de irresponsabilidade por os socialistas terem abandonado a reunião e ataques pessoais (alegadamente que nutriria ódio pela presidente da câmara) ao independente Bento Chão, levando ambos a interpor uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo de Braga.
Mais tarde, na Assembleia Municipal, os deputados socialistas simbolicamente e, em defesa da democracia, depois de terem pedido para estes documentos não serem votados pelo facto de estarem em curso providências cautelares nos tribunais, ouviram os doutos pareceres dos deputados do PSD que, afirmaram que tudo era legal, transparente e democrático. Curiosamente, o presidente da Assembleia Municipal, tinha suspendido o seu mandato, julgamos nós, para não participar em tal farsa.
O tribunal falou em nome da democracia e, Flamiano Martins (PSD) e Paulo Pereira (PSD), foram condenados a pagar as custas do processo por alegadamente terem praticado um “acto inquinado de violação da lei”.
Estes acontecimentos, fizeram-nos pensar nas palavras de Gustave Le Bom “um ditador não passa de uma ficção. Na verdade, o seu poder dissemina-se entre numerosos subditadores anónimos e irresponsáveis cuja tirania e corrupção não tardam a tornar-se insuportáveis”.
É importante a existência das oposições para que a democracia sobreviva às pretensões daqueles que, disfarçados de democratas, pretendem subjugar o povo e a Lei à sua vontade.
É bom que as personagens envolvidas neste “golpe palaciano” pensem que, quando não estiverem no poder e se este for entregue a alguém que não tenha escrúpulos, podem ver os seus direitos de oposição esmagados. Quem exerce o poder em democracia deve ser magnânime e assertivo com todos… por que todos lhe pagam o seu salário para que exerça o poder com responsabilidade democrática. Obras todos os que ocuparam o poder fizeram, ditadores e democratas, a forma como exerceram esse poder é que distinguiu historicamente os bons dos maus políticos.