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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A Galiza é mesmo "portuguesa"


1. O "pulpo galelo" é extraordinário. Cozido em grandes bidões nas ruas da Galiza, principalmente em Orense, tornou-se no símbolo gastronómico de uma região e fácil de comer: não tem espinhas, casa muito bem com o azeite ibérico e pimentão doce (ou pimenta cayenne) e acompanha no ponto com pão fino de baguete. Uma fotografia na última página de domingo da "Voz da Galiza" sintetiza isso tudo: é um produto gastronómico que diz exatamente o que representa e é facilmente exportável como conceito. Além disso o polvo viaja bem congelado, ao contrário da nossa sardinha assada com sal, essa quintessência da gastronomia portuguesa.
 
Esta introdução pelos sabores da Galiza leva-me aos territórios partilhados a norte - o Gerês. Apesar de brutalmente rasgado durante a década de 60 por uma cascata de barragens, no que ficou intocado (e é muito) encontramos o nosso bosque mágico, um verde esmagador, granitos orgulhosos, e rotas pedestres apetecíveis pelo turismo de natureza. Os galegos têm ainda algumas das nascentes termais, como a de Lobios, próximo do Lindoso, onde às quatro da manhã há portugueses a banharem-se ruidosamente em águas quentes que aquecem os ossos por fora e por dentro... O Gerês/Xerês é menos humanizado que os Pirenéus e os Alpes mas não está organizado para ser o nosso paraíso ibérico de evasão.

2. A "Voz da Galiza" de domingo tinha como manchete o facto de um terço dos alcaides da região auferirem de um salário acima dos 40 mil euros anuais, mais do dobro da média dos cidadãos galegos (19 807 euros - pouco mais de 1400 euros por mês). Lá, como cá, discutir estas questões abre fissuras e gera vinganças. Consciente disso o jornal justificou o exaustivo trabalho com um editorial na primeira página em que a tensão da sua preparação está à vista: "Em tempo de vacas gordas não nos preocupávamos com o custo dos governantes. Mas hoje já não há vacas gordas. Há políticos que se escandalizam quando se lhes atira à cara os seus salários. Só faltava que aos cidadãos se pudessem fazer cortes e aos políticos não se lhes pudesse nem olhar. Cobram muito ou pouco? Mais do que suficiente para lhes poder exigir muito". E o trabalho mostra que os autarcas mais bem pagos são, obviamente, das cidades maiores - Santiago de Compostela (72 229), Ourense (67 822) Lugo (66 881), Vigo e Corunha (65 220). Valores anuais (14 meses e todas as ajudas incluídas), que acabam por estar quase próximos dos cinco mil euros/mês. É muito? É pouco? Nestes novos tempos tudo está sujeito a reapreciação.

3. E só para percebermos como não estamos sós e os problemas são tão idênticos: a portagem entre Corunha e Vigo subiu 7,5% por cento e já é de 14,35 euros para 154 quilómetros. Mas ainda falta o aumento do IVA (de 18 para 21%) que toda a Espanha vai fazer em setembro - note-se que o IVA mais baixo vai subir de 8 para 10%, quase o dobro da nossa taxa de 6%. Entretanto a discussão sobre o que deve ser o Serviço Nacional de Saúde continua a fazer correr rios de tinta mas os cortes nos custos e comparticipações de medicamentos já estão a fazer-se desde julho, com menos apoio do Estado e em simultâneo uma feroz imposição de preços máximos que deixariam de fora do apoio público mais de 400 medicamentos. As empresas que os produzem foram obrigadas a descer valores para manterem a possibilidade destes serem receitados no sistema público.

4. Numa rua da Ourense continuam a ver-se escritas nas paredes palavras de ordem num galaico-português perfeito: "Detrás dum incendiário há um empresário". As características da geografia e biodiversidade tornam a nossa vida absolutamente partilhada, com as mesma virtudes e problemas. É a Europa dos territórios comuns a que um dia chamaram regionalização. Com um novo nome e outro desenho de competências, acabará por ser uma inevitabilidade para organizar transportes, ambiente, turismo e clusters empresariais. Também nisto há uma Europa a duas velocidades - as que já o fazem e as que ainda não sabem como concretizá-lo.

(por Daniel Deusdado)


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