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sexta-feira, 4 de março de 2011

O Universo de Jares

A educação reveste-se, na pós-modernidade, de uma complexidade processual em consequência da dificuldade e incerteza do tempo que vivemos. No entanto, não deixa, por isso, de ser um tema importante e proeminente.

Esta complexidade abarca dois tipos de factores: 1) endógenos, ou seja, inerentes ao próprio processo educativo. Referimo-nos aqui ao choque de valores entre os diferentes sectores da comunidade educativa; 2) exógenos, pois vivemos numa sociedade marcada pela diversidade (social e cultural, o relativismo niilista, ausência/perda de valores, consumismo, exclusão social, insegurança). Estes problemas constituem de per si um óbice que deve impelir a encarar a educação como um desafio permanente.

Não podemos, por outro lado, escamotear a realidade actual que incita à resolução dos conflitos pela via da violência como é já hábito nos órgãos de comunicação social, na política e até no cinema.

Xesus Jares que, em 1983, fundou o colectivo "Educadores pela Paz da Nova Escola Galega" que coordenou até à sua morte (infelizmente foi vitimado por um cancro em 2008) e presidente da "Associação Galego-Portuguesa de Educação para a Paz", anima-se perante estas circunstâncias difíceis por nos conduzirem a "reagir com uma compreensão e paixão ainda maiores, ao invés de nos isolarmos decepcionados, visto que a decepção não nos leva à solução desses problemas".

Por isso, cabe à escola aprofundar o seu conhecimento face a estes problemas para, a partir daí, partir para um raciocínio ético e pedagogicamente ajustado à busca da verdade. A escola não deve deixar de exercer o seu papel de educadora deixando claro que face à violência não há espaço para ambiguidades e tolerância. Ou seja, a escola, enquanto campo de aprendizagem e de convivência, tem que apostar na aprendizagem de uma cultura de paz e não-violência opondo-se terminantemente a fundamentalismos mesmo que estes se escondam sob a bitola dos direitos culturais.

Daí que, os professores e todo o sistema educativo, devam privilegiar as regras e valores democráticos, respeitar os direitos humanos bem como o cumprimento das regras e deveres a eles pertencentes.

Neste mundo incerto e vacilante, é preciso dar prioridade a uma educação para a tolerância e para a paz pois, a longo prazo, só ela será garante uma sociedade que caminha rumo ao bem comum.

Demos ao nosso artigo de hoje o título de "O universo de Jares", para homenagearmos este professor catedrático - cuja vida foi ceifada precocemente - que é um dos arautos da pedagogia da convivência. Um homem que dedicou a sua vida, qual missionário, a difundir a necessidade de uma escola capaz de dar esperança à História que nos falta viver.

Terminamos com um trecho da introdução do seu último livro "Pedagogia da Convivência" onde, ao finalizar a introdução e fazendo jus ao homem de coragem que sempre foi, escreveu "Finalmente, também quero dedicar este livro às pessoas que lutam contra o cancro. Compreenderão que, nesta fase do meu tratamento contra a doença, não possa abstrair-me desta situação que mudou radicalmente a minha vida. Uma boa parte da redacção do livro foi feita nos últimos três meses, precisamente metade do tempo em que fui confrontado com esta recaída. Tem sido uma fase com dias muito duros, cheios de incerteza e de algum desamparo. Mas também tenho tido dias e momentos maravilhosos, coloridos com o carinho de muitas pessoas e sem perder a vontade de fazer coisas, como é o caso de este livro. (…) Nós, que padecemos desta doença, somos obrigados, em muitos momentos, a contemplar a vida vendo passar os dias, 'dias como nuvens perdidas' (Octávio Paz). Mas, com o amor das pessoas que nos rodeiam, nunca devemos perder a determinação de lutar pela vida, de nos iludirmos com as pequenas coisas, de viver com serenidade e esperança. Pelo menos essa é a minha determinação. Como escrevia o poeta português Miguel Torga, a esperança será 'a última palavra da minha boca'.. Mas, no meu caso, muito provavelmente, será a penúltima".